Brunello di Montalcino – A Estrela da Bota

História

Brunello di Montalcino, um dos mais famosos vinhos da Itália tem uma história recente comparada com seus vizinhos.

Um vinho criado para ser grandioso com toda a expressividade do tempo, e que desperta nos conhecedores e nos iniciantes o mesmo frisson.

A vocação da região de Montalcino para a produção de vinhos de alta qualidade é conhecida há mais de dois mil anos: na verdade, existem inúmeros achados arqueológicos que datam da época etrusca, que atestam a produção de vinho em Montalcino.

Entre o século XII e o século XVI, Montalcino esteve no centro de acirradas disputas militares, primeiro contra Siena e depois de 1260, juntamente com Siena contra Florença. A pequena mas corajosa villa di Montalcino era considerada uma fortaleza inexpugnável, protegida por muralhas e uma grande fortaleza. Por isso, em 1559, quando os montalcinenses entregaram as chaves da cidade aos representantes de Cosimo de Medici, Montalcino era o último município livre da Itália.

O Brunello di Montalcino aparece oficialmente junto à  história da família Biondi Santi, que em meados de 1800, decidiu dedicar-se à agricultura, cuidando das suas propriedades de Montalcino e Pienza, com o objetivo de produzir vinhos de qualidade.

Clementi, o patriarca da família, era farmacêutico e começou a estudar as uvas da região e seus clones, e optou pela Sangiovese dentro de sua propriedade, sem leveduras e maturação em barris de carvalho com pouca utilização de elementos externos a fim de não acelerar o processo. Dessas experiências nasceu o Vino Scelto (Vinho Escolhido), de 1865, feito por um clone de Sangiovese Grosso, que ficou conhecido por Brunello ou Brunellino, devido à cor escura dos bagos, brune ou marrom, e que apresentavam extrema capacidade de guarda.

A partir de então, passou a dedicar-se a produzir vinhos da Sangiovese, recebendo premiações pelo desenvolvimento de rótulos marcantes e deliciosos.

Ferruccio Biondi Santi, herdou do avô, o amor pela vitivinicultura e suas propriedades, dando continuidade ao seu trabalho.

À época que começou sua produção, a Europa era atacada pela Filoxera (praga que resulta na destruição das vinhas). A maioria dos produtores optou por produzir vinhos mais jovens, Ferruccio ao contrário, insistiu nos vinhos de guarda. Intensificou seus estudos com a uva pura Sangiovese para que suportassem a filoxera. Foram quase 30 anos, e o resultado é o Brunello que hoje muitos apreciam.

Seu trabalho foi continuado por seu filho Tancredi, que em 1930 trouxe o Brunello a altos níveis de excelência, em nível internacional.

A Tenuta Del Greppo, propriedade dos Biondi Santi, hoje tem 25 hectares e é referência em alta qualidade e tradição, tanto na vinha como na adega, sob o comando da nova geração.

Em 1932, o Ministério da Agricultura da Itália escreveu um relatório declarando que o Brunello di Montalcino era uma criação de Ferruccio Biondi Santi. Sua fama se espalhou por todo o país e pelo mundo a partir de 1950, no período pós guerra, com o crescimento da vinicultura.

Brunello - Montalcino

Uva

A uva é Sangiovese, denominada em Montalcino como Brunello.

Mas o que diferencia o Brunello di Montalcino, feito de Sangiovese, de seus pares na Toscana?

De acordo com o enólogo Massimo Bracalente, a vinha Sangiovese é muito variável, tendo cerca de 80 clones que produzem vinhos com características diferentes. A Sangiovese Grosso, usada em Montalcino é um clone rico em antocianinas, foi desenvolvida para se adaptar perfeitamente ao clima e características da região. Ela tem formato de folha e bagos diferentes da Sangiovese tradicional, além de uma casca mais grossa que garante maior presença de tanino e cor na bebida que produz, daí seu nome Sangiovese Grosso ou Brunello.

DOC e DOCG

Por muitos anos Brunello permaneceu uma raridade destinada a alguns conhecedores refinados. Foi apenas na segunda metade do século XX que, de iguaria para poucos, devido ao preço altíssimo, resultado de pequena produção e tantos e tantos anos de maturação, passou a ser símbolo mundial do que de melhor se faz na Itália. Essa situação começou a mudar na década de 1960, quando a DOC (Denominação de Origem Controlada)  Brunello di Montalcino foi estabelecida. Em 1966, criaram-se as regras e estabeleceu-se seu Consórcio. Em 1980, a região foi alçada à categoria DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida), a primeira da Itália. A partir desse momento, houve um aumento do número de vinícolas e garrafas produzidas e lacradas com um selo estadual que garante a sua procedência. Brunello, então conquista o mercado mundial.

Além de Brunello, há outras três denominações de origem na zona de Montalcino: Rosso, Moscadello e Sant’Antimo. O Rosso di Montalcino foi criado em 1984 para ser o “vinho de entrada” para os Brunello, muito caros e trabalhosos. Eles também só podem ser feitos com Sangiovese, porém, podem ser comercializados depois de apenas um ano da safra, sem requerimentos específicos de envelhecimento em madeira ou garrafa. Já o Moscadello di Montalcino é um vinho doce, feito com a variedade Moscato Bianco. Sant’Antimo, por fim, abarca todos os outros vinhos produzidos na região, tanto tintos quanto brancos, incluindo o Vin Santo.

Terroir

O grande diferencial do Brunello di Montalcino está no seu terroir. O mesmo clone tem diferentes comportamentos, tanto do ponto de vista analítico quanto sensorial, dependendo de onde é cultivado.

Montalcino fica cerca de 40 quilômetros ao sul de Siena e também do mar, em uma região repleta de belas colinas. A zona produtora compreende uma área de 24 mil hectares delimitada pelos rios Asso (a leste), Orcia (ao sul) e Ombrone (a oeste). Cerca de 15% dessa área são ocupados por vinhedo, sendo aproximadamente 2.100 hectares sob a denominação Brunello di Montalcino e o restante para outras denominações como Rosso, Moscadello, Sant’Antimo e outros vinhos.  Em comparação com outras áreas da região central da Itália onde é cultivado Sangiovese, Montalcino tem um clima ideal que não é encontrado em outros lugares. Na verdade, é quente o suficiente para a produção de uvas perfeitamente maduras, e conta com chuvas escassas na primavera e outono que encurtam o ciclo vegetativo. Além disso, a inclinação do solo, o clima seco e ventilado permitem obter uvas mais saudáveis, impossíveis em altitudes mais baixas, úmidas e nubladas. O solo da região tem papel fundamental na tipicidade do vinho produzido, pois é rico em argila e calcário reduzindo a produção de uvas,  dando ao vinho mais estrutura e um toque especial de mineralidade”.

A principal característica do Terroir de Brunello são as diferentes vertentes em torno da cidade, que cria uma grande diversidade de microclimas. Ao Norte de Montalcino, a área de solo calcário-argiloso,  produz vinhos de cor mais clara, mas de aromas altamente complexos. Em Montalcino, nos arredores da cidade, local mais alto e que possui o solo mais pobre, gera vinhos elegantes e longevos, com buquês ricos, alta acidez e boa base de taninos. No Sudoeste (Sant’Angelo in Colle e Camigliano), a parte mais seca e quente, produz vinhos mais escuros, frutados e alcoólicos, que podem ser apreciados na juventude e Sudeste (Castelnuovo dell’Abate), não recebe as brisas marítimas e tem diversas combinações de solos que resultam em enorme complexidade de sabores e aromas, e podem ser degustados jovens. No entanto, são unidos por um traço comum representado pela Sangiovese.

Produção

As possibilidades de experimentação com barris diferentes, carvalho novo ou velho, e meses de envelhecimento são inúmeras, mas as escolhas do produtor após a colheita contribuem em apenas 10% no resultado final do vinho, já que a maior influência é do terroir.

Os produtores tradicionais seguem o jeito antigo de fazer, envelhecendo os vinhos em grandes tonéis feitos de carvalho eslovaco, madeira que tem mostrado a melhor capacidade de permitir que esses vinhos ganhem estrutura e sejam mais aveludados, enquanto mantêm frescor e sabor único. Raramente são barris novos, e a superfície de contato do vinho com a madeira é menor. Os vinhos que estagiam da forma tradicional têm grande potencial de envelhecimento, mas podem demorar para se abrir. Os mais modernos, por sua vez, usam barricas de menor porte feitas de carvalho francês. Muito procuradas por causa dos sabores de baunilha e chocolate que podem transmitir ao vinho, especialmente se forem barris que passam por tosta antes do uso. Esses sabores têm sido desejados pelos consumidores americanos, chineses e também brasileiros, especialmente nos anos 1990 e começo dos 2000.

Brunello - Montalcino

Envelhecimento

A principal qualidade do Brunello está na longevidade, que faz com que os vinhos produzidos nessa região apontem para 30 a 50 anos de guarda. A depender da safra e de um maior cuidado na vinificação, onde são alcançados altos níveis de acidez que garantem a melhor guarda dos vinhos, mesmo  vinhos jovens e prontos para beber, tem essa capacidade inalterada.

O Brunello di Montalcino, portanto, deve passar por um período de envelhecimento de pelo menos dois anos em barris de carvalho de qualquer dimensão e pelo menos quatro meses em garrafa. Não pode ser colocado para consumo antes de 1 de janeiro do ano sucessivo ao término de cinco anos calculados considerando o ano da safra. Pode ser qualificado como Reserva se colocado para consumo depois de 1 de janeiro do ano sucessivo ao término de seis anos calculados considerando o ano da safra, depois de passar dois anos em barris de carvalho e, pelo menos, seis meses em garrafa.

Apenas 6% do vinho em envelhecimento poderá ser mantido em recipientes que não sejam de carvalho. A operação de vinificação, conservação, envelhecimento em madeira, envelhecimento em garrafa e engarrafamento devem ser efetuadas exclusivamente na zona de produção em garrafas do tipo bordalesa, de vidro escuro e fechadas com rolha de cortiça.

Características

O Brunello di Montalcino é um vinho límpido, com cor vermelho rubi ao granada, aromas intensos e marcantes, amplos e etéreos de terra de bosque, frutas vermelhas, geléias, madeira e baunilha.

É um vinho vigoroso com corpo elegante e persistente. Alguns produtores reforçam a presença de madeira com o intuito de arredondar mais o vinho para um estilo mais comercial. No paladar,  é seco, robusto e um pouco tânico. Teor alcoólico de 12 a 12,5%.

Por essas características não se recomenda beber um Brunello antes de 5 a 7 anos de idade, pois estará complexo e em evolução. É importante observar as safras consultando a lista histórica do Consorzio que avalia com até 5 estrelas.

Harmonização

Pelo estilo gustativo semi rústico, o Brunello acompanha principalmente pratos elaborados de carnes vermelhas ou caças, acompanhados de cogumelos ou trufas, ou também pratos internacionais de carnes com molhos. Com mais evolução, ficará ótimo com queijos maturados e estruturados como Pecorino ou Parmesão.

Há produtores que recomendam até 8 horas de decanter para que seus vinhos se abram, especialmente os mais jovens. Portanto, ao abrir a garrafa, deixe-a decantar por algum tempo para que a potente estrutura do vinho transpareça suas sutilezas, além de eliminar as borras. O Brunello é melhor apreciado entre 18º e 20ºC.

Curiosidades

Em 2008, uma reportagem da revista Winespectator denunciou que alguns produtores não estavam respeitando as regras da denominação e colocando outras uvas além da Sangiovese no vinho. Diante disso, o governo norte-americano chegou a bloquear a importação dos vinhos que não tivessem provas laboratoriais de que eram 100% Sangiovese. Na época, produtores de renome foram colocados sob investigação e o caso ficou conhecido como Brunellopoli ou Brunellogate. Depois disso, o Consorzio Brunello di Montalcino, que fiscaliza os produtores, passou a intensificar o controle. Contudo, a fraude não foi provada. A intensa comercialização do Brunello é um ponto positivo e coloca Montalcino como marco histórico atestando como um dos melhores vinhos do mundo.

Montalcino também lidera o turismo do vinho italiano com as primeiras vinícolas equipadas para visitas guiadas e todo um território que recebe milhares de visitantes de todo o mundo todos os anos.

Brunello - Montalcino

Muitos prêmios comprovam a qualidade do vinho: em 1999 a prestigiosa revista americana “Wine Spectator” incluiu um Brunello entre os 12 melhores vinhos do século XX e em 2006 coroou um Brunello no topo do ranking mundial

Sobre Deyse RibeiroDeyse Ribeiro é natural de Minas Gerais, mas vive na Toscana desde 2007. Fez curso de sommelier na FISAR, master em Wine Expert (Academia del Gusto) e Guia Enológica na Itália. É empresária, guia de turismo, especialista em turismo de experiência na Itália, além de editora do Portal Tour na Itália, e deste site.

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